Educación y Humanismo 20(34): pp. 96-115. Enero-Junio, 2018.
DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860
Retomando o debate em torno das
influências das teorias crítica e pós-crítica
no currículo
Retomando el debate en torno a las
influencias de las teorías crítica y post-
crítica en el currículo
Open Access:
Editor:
Patricia Martínez Barrios
Universidad Simón Bolívar
Correspondencia:
Marcos García Neira
mgneira@usp.br
Recibido: 18-12-16
Aceptado: 01-06-17
Publicado: 01-01-18
DOI: http://dx.doi.
org/10.17081/
eduhum.20.34.2860
Marcos Garcia Neira
http://orcid.org/0000-0003-1054-8224 - Universidade de São Paulo, Estado de São Paulo, Brasil
Resumo
Objetivo: Rever os conceitos de pedagogia ctica, a fim de relacioná-los com o atual debate curri-
cular, apresentando a mais recente discussão representada pelo advento das teorias pós-críticas.
Conclusão: Nos tempos neoliberais em que expressões como “desenvolver habilidades”, “testes
padronizadose “busca de eficiência” são a ordem do dia, não parece haver espaço para o currículo
promover a criticidade diante de eventos que afetam para a sociedade. Por outro lado, há a
necessidade de questionar a lógica impostas e desnaturalizar suas formas de ver o mundo ser cada
vez mais necessário. Tentando contribuir com a prática, sugere maneiras de escolher tópicos
educacionais e propõe uma cadeia de ações educativas destinadas a promover a relação pedagógica
que reconhece e valoriza os assuntos e seus conhecimentos.
Palavras-chave: Currículo, Teoria Crítica, Teoria Pós-crítica.
Resumen
Objetivo: Revisar los conceptos de la pedagogía crítica con el fin de vincularlos con el debate
curricular actual mediante la presentación de la discusión más reciente representada por el
advenimiento de las teorías post-críticas.
Conclusión: En tiempos neoliberales en los que expresiones tales como “desarrollar habilidades”,
“pruebas estandarizadas” y “búsqueda de la eficacia” están a la orden del a, no parece haber
espacio para el curriculum que fomenten la criticidad ante los hechos que afectan a la sociedad. Por
otro lado, está la necesidad de cuestionar la lógica impuesta y desnaturalizar sus formas de ver el
mundo es cada vez más necesario. Intentando contribuir con la práctica, se sugiere formas de
elección de los temas educativos y propone una cadena de acciones educativas destinadas a
promover la relación pedagógica que reconoce y valora los sujetos y sus conocimientos.
Palabras clave: Currículum, Teoría Crítica, Teoría Post-crítica.
Cómo citar este artículo (APA):
Copyright © 2018 García Neira
Garcia, M. (2018). Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica es-crítica no currículo.Revista
Educación y Humanismo, 20(34), 88-105. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860
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Marcos Garcia Neira
INTRODUÇÃO
certo consenso na literatura de que o termo “currículo” inclui tudo o que
se relaciona com a cultura escolar (a organização dos tempos, as atividades
de ensino, os espaços de aula, os objetivos, as falas, os materiais didáticos,
etc.). Consequentemente, o método de ensino empregado pelo professor,
por compor a cultura da escola, não pode ficar de fora. Alinhando-se a essa
tendência, Stenhouse (1998) defende uma íntima relação entre objetivos,
conteúdos e métodos, na composição do currículo.
Contudo, o que parece acontecer no cenário escolar é a extrema
valorização dos conteúdos de aprendizagem e a atribuição de um papel
secundário ao método empregado. A ênfase dada justifica-se muito mais
pela falta de clareza do que seja currículo em todas as suas dimensões.
Haja vista a quantidade de espaço gráfico destinado pelas propostas oficiais
ao rol de objetivos e conteúdos que devem ser ensinados pelos docentes e
a parca, quando não ausente, discussão metodológica. Fica a impressão de
que o debate em torno do método é algo menor, sem valia.
Embora primazia dos conteúdos possa ser uma ótima opção para o rompi-
mento com o rigor metodológico, isso não sugere a inexistência de um
método que norteia o processo educativo. Apesar dos chamados
“conteudistas” postu-larem uma subordinação do método aos conteúdos, é
mister pressupormos uma mediação metodológica que possibilite a
aquisição dos conhecimentos, até porque conteúdos e objetivos, por si só,
não são capazes de assegurar a efetivação do processo educativo.
O debate em torno dos métodos de ensino poderá ser precedido das
seguintes questões: de que maneira os diversos conhecimentos acerca da
cultura poderão ser trabalhados com os alunos de forma a proporcionar-lhes
condições para uma reflexão crítica sobre o mundo? Como os conteúdos
escolares podem beneficiar os alunos, proporcionando-lhes condições para
decidir e atuar em prol de uma sociedade mais justa?
Parece bastante óbvio que a dimensão metodológica da qual falamos se insere
no campo teórico da pedagogia crítica, cujo objetivo principal é integrar os
aspectos material/formal do ensino, articulando-os com os movimentos
concretos no sentido da transformação social. A pedagogia crítica valoriza o
papel do professor como mediador entre o aluno e a cultura, através de
processos de reflexão sobre a vida cotidiana, transmissão e assimilação crítica
dos conhecimentos no contexto da prática social coletiva, que por sua
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vez implica a transformação da natureza e da sociedade (Saviani, 1991).
Recorrendo aos conceitos da pedagogia crítica de inspiração freiriana, o
presente artigo retoma a discussão realizada em trabalho anterior pautada
na teorização crítica (Neira, 2010), amplia-a com a contribuição das teorias
pós-críticas e oferece novos argumentos para compreensão da prática
pedagógica.
PEDAGOGIA CRÍTICA
Fundamentado nas obras Lógica formal/Lógica dialética de Henri Lefèbvre e
Teoría marxista de la educación de Bogdan Suchodolski, Libâneo (1986)
apresenta o método dialético como um caminho possível para a
compreensão dos vínculos entre a educação e os processos concretos da
sociedade, através das relações entre o concreto e o abstrato, entre o lógico
e o histórico, entre a teoria e a prática. Ao citar Lefèbvre, o autor sugere que
o conheci-mento é inicialmente prático muito antes de ser teorizado, visto
que sempre começa com a experiência prática da realidade objetiva. Num
segundo momento, passa a ser social, uma vez que é transmitido entre os
membros da sociedade. Finalmente, o conhecimento apresenta um aspecto
histórico, no sentido da universalidade.
Para Libâneo (1986), a educação escolarizada atingirá seus objetivos se
atuar dialeticamente com todos os aspectos do conhecimento, sendo capaz
de organizar o conhecimento histórico, patrimônio da humanidade, o
conheci-mento social, fruto da experiência de outros indivíduos ou grupos e,
também, o conhecimento prático, fruto da experiência real do próprio grupo
e da cultura escolar. Para que isso seja possível, o método de ensino
deverá ser suficien-temente plástico, construído efetivamente
mediante/durante o processo educativo.
Nesses termos, a didática, assim, deixa de ser apenas o domínio técnico--
prático para constituir-se, também, num instrumento lógicometodológico de
leitura das situações pedagógicas concretas, isto é, enquanto prática históri-
co-social” (p.140).
Entretanto, uma proposta desse tipo não poder ser sistematizada de maneira
universal, visto que depende intimamente daquilo que possa vir a ocorrer
durante o processo educativo, no qual, o método de ensino é construído a partir
do conhecimento da realidade (grupo de alunos e comunidade onde vivem),
quando se estabelece um contato mais íntimo com os seus saberes.
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Marcos Garcia Neira
O desenvolvimento da aula depende dos questionamentos e interesses
surgidos a partir da tematização, ou seja, da abordagem sócio-histórica que
professores e alunos fazem dos assuntos que interessam aos membros de
uma sociedade (Santos & Neira, 2016), como também da problematização.
Seguindo o raciocínio de Freire (1970 e 1980), problematizar significa
abordar algumas das infinitas possibilidades que podem emergir a partir das
leituras e interpretações da prática social. Problematizar implica em procurar
o maior compromisso possível do objeto de estudo numa realidade de fato,
social, cultural e política. O que se pretende com a problematização
é uma compreensão profunda da realidade em foco e o desenvolvimento da
capacidade crítica dos alunos enquanto sujeitos de conhecimento,
desafiados pelo objeto a ser conhecido.
Na pedagogia crítica, os conteúdos a serem aprendidos emergirão da
proble-matização apresentada pelas atividades de ensino, desde que se
leve em conta o esforço do grupo para sanar as dúvidas que possam surgir
diante de um fenômeno ainda não compreendido. Aqui se está a afirmar
uma concepção metodológica dialética nos mesmos moldes da pedagogia
freireana. Se num primeiro momento, o conhecimento social se mostra
sincrético, disperso e confuso, é a problematização que fomentará análises
cada vez mais profundas e permitirá a construção de sínteses pessoais e
coletivas (Neira & Nunes, 2009).
Para que se consigam resultados satisfatórios quanto aos objetivos educa-
cionais estabelecidos, isto é, para que se possa desenvolver uma ação
pedagógica que proporcione aos alunos uma visão de totalidade sobre a
cultura, em prol da justiça social, faz-se necessário a estruturação de uma
nova visão sobre a aprendizagem no interior do currículo. Aqui se está a
afirmar uma concepção de aprendizagem dos conteúdos escolares que não
se alinha ao princípio aditivo. Inversamente à postulada “sequência” do
simples para o complexo, a metodologia dialética posiciona o aluno, desde
o primeiro momento, diante de uma tarefa complexa, global e completa, em
semelhança ao que acontece nas atividades autênticas da vida social.
Somente num segundo momento serão propostas atividades específicas em
relação às diferentes dimensões da manifestação estudada: organização do
conteúdo temático, abordagem centrada em conceitos específicos, experi-
mentação de diferentes procedimentos, etc., antes que o aluno se confronte
novamente com a situação complexa da tarefa inicial. Em resumo, em lugar
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Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica e pós-crítica no currículo
de propor um crescimento gradativo, do ponto de vista da pedagogia crítica, o
processo de ensino tem início com a aproximação intencional dos alunos com a
manifestação cultural da forma como ocorre no contexto da prática social.
Para que os alunos possam entender o patrimônio cultural à sua volta,
fortalecendo a sua condição de autores, é necessário que tais conheci-mentos
sejam compreendidos no contexto das práticas sociais, para que se possa, de
forma coletiva, selecionar os temas de estudo e, ao longo do curso, aprofundar
o conhecimento sobre elas, ampliando a compreensão do fenômeno. É pela
problematização que os atores sociais discutem, refletem, analisam e percebem
inúmeras dimensões da prática social, como que a colocando simultaneamente
no mundo e no microscópio (Freire, 1967). Feito isso, na visão do autor, o
resultado final permitirá romper com o sincretismo que caracteriza a consciência
ingênua, para atingir a visão sócio-histórica da consciência transitivo-crítica.
Não se trata de aprender a partir de elementos simples conhecidos, mas de
produzir um novo conhecimento como resposta às indagações surgidas a partir
de uma situação real complexa, recorrendo, individual e coletivamente, a
múltiplos procedimentos e ações.
Professores que atuam com base nos princípios teóricos da pedagogia crítica
não abordam conteúdos desconectados da vida social. As temáticas que
compõem o currículo advêm das decisões coletivas estabelecidas com a
comunidade escolar. Após a Assembleia de Escola, a Assembleia Docente e a
conversa com os alunos, o grupo problematizará uma determinada manifes-
tação cultural a partir dos conhecimentos disponíveis. Esta concepção
metodológica, portanto, independe do nível de ensino. (Neira, 2010).
O que se pretende é a ressignificação dos saberes relativos ao patrimônio
cultural no ambiente escolar, transformando-o em um espaço vivo de
interações, aberto ao real e às suas múltiplas dimensões. Por meio de uma
prática dialógica com diversos níveis de aprofundamento, professor e
alunos se veem envolvidos com a busca das respostas às questões que
surgem sempre que uma problemática é enfrentada. O conhecimento,
nessa visão, configura-se como instrumento para a compreensão e possível
intervenção na realidade. O professor, por sua vez, faz a mediação entre os
alunos e as práticas sociais, criando situações problematizadoras,
introduzindo novas informações, dando condições para que os estudantes
avancem em seus esquemas de compreensão dos fenômenos constatados,
mediante a organi-zação de atividades aonde a interação com os pares se
constitua em um espaço democrático de aprendizagem.
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Marcos Garcia Neira
Neste método, o aluno é visto como sujeito ativo que usa sua experiência e
conhecimento para resolver os problemas que surgem a todo instante. Tais
problemas determinam o conteúdo não só o que deverá ser estudado/
aprendido, como também os níveis de aprofundamento em relação às possi-
bilidades de contato, uso e análise dos educandos.
A ação sobre a realidade se coloca como o principal fundamento dessa
concepção que permite aos alunos analisar os problemas, situações e
aconte-cimentos dentro de um contexto e em sua globalidade, utilizando,
para isso, os conhecimentos presentes na sua experiência sociocultural.
Nunca é demais relembrar que uma prática pedagógica a partir da experiência
dos alunos traz mudanças significativas para o processo de ensino e apren-
dizagem, que rompe com a educação transmissora de conceitos distantes e
se volta para a construção de conhecimentos em estreita relação com o
contexto em que são vivenciados, sendo, por isso mesmo, impossível antever,
nas temáticas que serão problematizadas, determinados conteúdos. A teia de
saberes necessários para compreender um objeto de estudo vai se consti-
tuindo à medida que os problemas são respondidos. Na prática, isto significa
que duas turmas que se debruçaram sobre um mesmo tema poderão percorrer
trajetórias de aprendizagem diferentes, aprendendo, portanto, conteúdos
diversos. A formação dos alunos, nesse sentido, é um processo global e
complexo, onde conhecer e intervir no real não se dissociam.
Ao participar desse processo, o educando vive uma experiência educativa
na qual a construção de conhecimentos se integra às práticas simbolica-
mente significativas. O aluno deixa de ser apenas um aprendiz do conteúdo
de uma área de conhecimento qualquer; é um ser humano que desenvolve
uma atividade complexa e que nesse processo se apropria, ao mesmo
tempo, de um determinado objeto de conhecimento cultural e se forma
como sujeito cultural. Isso significa que é impossível homogeneizar os
alunos, é impossível desconsiderar sua história de vida, seus modos de
viver, suas experiências culturais e dar um caráter de neutralidade aos
conteúdos, desvinculando-os do contexto sócio-histórico que os gerou.
O que se coloca, portanto, não é a organização do ensino a partir dos
conteúdos, mas, o desenvolvimento de uma prática pedagógica centrada no
entendimento do próprio processo de construção da sociedade. A pedagogia
crítica possibilita resolver questões relevantes para o grupo, gerando a neces-
sidade de aprendizagem. Nesse processo, os alunos se defrontam com
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Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica e pós-crítica no currículo
conteúdos de diversas disciplinas, entendidos como “instrumentos culturais
valiosos para a compreensão da realidade e intervenção em sua dinâmica. Não
entram em contato com conteúdos escolares a partir de conceitos abstratos e de
modo teórico, nem tampouco com exercícios descontextualizados. Na
pedagogia crítica os conteúdos deixam de ter um fim em si mesmos para se
tornarem meios de ampliar a formação dos alunos e sua interação com a
realidade, em toda sua dinamicidade. Rompe-se, também, com a concepção de
“neutralidade” dos conteúdos, que passam a ganhar significados diversos, a
partir das experiências sociais dos estudantes.
PEDAGOGIA PÓS-CRÍTICA
Desde o seu surgimento no século XVI, a escola vem sendo convocada a
atender às necessidades e interesses sociais, políticos e econômicos. O
que deve ser ensinado, ou seja, os conteúdos que compõem o currículo,
desde sempre adquiriram um caráter parcial e historicamente localizado
(Lopes & Macedo, 2011). À mercê das mudanças contextuais (sócio-
históricas e cientí-ficas) entram em cena determinados conhecimentos e
formas de transmi-ti-los, indícios de que a escola tem buscado dialogar com
o projeto de cidadão almejado por cada sociedade.
O processo de educação pode ser compreendido como uma forma de trans-
missão das conquistas e mecanismos que garantam a sobrevivência às novas
gerações. Em épocas passadas, as crianças participavam diretamente da vida
adulta para aprender sobre o mundo e sobre a realidade à sua volta. Hoje em
dia, por mais que a família, os grupos culturais e a mídia também cumpram com
a função de educar as crianças, jovens e adultos, a escola continua sendo
decisiva para a realização dessa tarefa (Pérez Gómez, 2000).
A escola ainda é uma instituição que tenta incessantemente formar o sujeito
moderno. Por se tratar de uma invenção da Modernidade, carrega consigo
todos os atributos que competem àquela época. Seu objetivo é transmitir o
conhecimento científico, formar um ser humano racional, autônomo e capaz
de tomar decisões. Isso é feito por meio de um currículo linear, sequencial,
estático, disciplinar e segmentado. Para Varela e Alvarez-Uria (1992), é
através dele e da criação de outras instâncias fundamentais para o surgi-
mento da escola que se pode chegar ao ideal moderno de uma sociedade
racional e progressista.
Todavia, na visão de alguns autores como David Harvey e Jean-François
Lyotard, vivemos em outra época, a Pós-modernidade. O pensamento
102 Educación y Humanismo 20(34): pp. 102-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860
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pós-moderno questiona o sujeito prometido pela Modernidade, o currículo e o
processo de escolarização que pretendem formá-lo (Silva, 2000). Isso fez abrir
espaço para outras possibilidades explicativas, entre elas, o pós-moder-nismo,
que pode ser entendido como um movimento intelectual iniciado na segunda
metade do século XX que, nos dizeres de Silva (2011), abarca um conjunto
variado de campos teóricos, políticos, estéticos e culturais.
O pensamento moderno é adepto das grandes narrativas (metanarrativas),
daqueles saberes considerados universais e que se propõem a explicar
qualquer coisa em qualquer lugar. Ao desconfiar dessas pretensões totali-
zantes do saber moderno, o pós-modernismo inclina-se à incerteza e à fluidez
das relações no contexto das afirmações categóricas e inquestionáveis. A
ciência e a tecnologia deixam de gozar de espaços privilegiados e assim, o
senso comum e a cultura popular conquistam território na pós-modernidade.
Na perspectiva pós-moderna, a noção de sujeito sofre um importante deslo-
camento. Enquanto na Modernidade, o sujeito assume o centro de suas
ações com relação ao pensamento, fala e produção, na Pós-modernidade,
passa também a ser pensado, falado e produzido. O exterior oferece uma
importante contribuição no processo de construção desse sujeito que o leva
a tornar-se quem é (Silva, 2011).
Em outras palavras, o pensamento pós-moderno questiona e ataca os princípios
e pressupostos do pensamento social, político e cultural de um sujeito racional,
autônomo, centrado em suas decisões e pautado unicamente pela ciência, que
foram geridos pelo Iluminismo e reforçados na Modernidade.
Para Hall (2006), o sujeito da modernidade é possuidor de uma identidade
unificada, essencial e permanente. Com a influência pós-moderna, passou a se
constituir por variadas identidades, quase sempre contraditórias. As identidades
do sujeito pós-moderno são fragmentadas, instáveis e estão em contínuo fluxo.
Elas se tornam uma “celebração móvel, formada e transformada continuamente
em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam(p.13). As identidades, enquanto processos
discursivos de identificação, são compreendidas como pontos de apego
temporário às posições de sujeito que as práticas discur-sivas constroem para
nós” (Hall, 2013, p.112). Elas são posições para as quais o sujeito é convocado,
sendo obrigado a assumi-las e nelas investir. Em suma, o sujeito é
discursivamente interpelado a posicionar-se de um modo ou outro diante das
coisas e situações do mundo.
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Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica e pós-crítica no currículo
O cenário pós-moderno forçou a educação a alterar sua função social. No
momento em que as políticas e legislações educacionais garantiram o acesso e
permanência da maioria das crianças e jovens na escola, diferentes grupos
culturais e seus representantes, que reivindicam que suas vozes sejam ouvidas,
passaram a habitá-la. Isso faz com que a escola, pautada também pelas
políticas públicas, se responsabilize por aproximar e fazer dialogar diferentes
culturas, procurando reconhecer a heterogeneidade e valorizar o aspecto
multicultural dos sujeitos (Candau, 2008). Porém, esse contato entre as
diferentes culturas não ocorre de maneira pacífica. As tentativas de diálogo, os
conflitos e as tensões se multiplicaram num ambiente em que todos têm o
direito e a obrigação de frequentar.
Hall (1997) concebe a cultura como prática de significação, como um terri-
tório de disputa pela validação dos significados no qual os diferentes
grupos, situados em posições distintas de poder, lutam pela imposição de
seus modos de ver as coisas do mundo à sociedade mais ampla. É nesse
campo de batalha que a cultura é produzida e validada.
Na visão de Hall (1997), toda e qualquer prática social é cultural. Todas as
práticas sociais que possuem relação com o significado ou que requeiram
significado para funcionarem, têm a sua dimensão cultural. Ele expande
suas explicações sobre cultura ao comentar sobre a virada cultural, que diz
respeito a uma análise social contemporânea que passou a compreender a
cultura como uma condição constitutiva da vida social e não mais como uma
variável dependente, como também, ao explicar sobre a noção de centra-
lidade da cultura, que indica a forma como a cultura penetra em cada canto
da vida social contemporânea, mediando tudo.
A linguagem assume papel fundamental nessa concepção de cultura, porque
é vista como um termo geral para as práticas de representação, ocupando
uma posição privilegiada na produção e circulação dos significados. Nessa
lógica, os sujeitos são formados culturalmente, pois são interpelados a todo
instante pelos meios discursivos.
Neira e Nunes (2009) explicam que o termo “pós” não significa oposição,
isto é, a teoria pós-crítica não é uma forma de oposição à teoria crítica. O
termo “póssignifica ir além, que ultrapassa as fronteiras. É posicionar-se
adiante. É pensar, refletir e viver além dos limites e retornar com outros
olhares para a reconstrução das condições sociais presentes. As teorias
pós-críticas reconhecem e utilizam o pensamento crítico em seus debates e
questionamentos.
104 Educación y Humanismo 20(34): pp. 104-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860
Marcos Garcia Neira
As pedagogias crítica e pós-crítica se diferenciam da teorização tradicional,
pois abarcam as análises do poder que permeia as relações sociais e
culturais. Enquanto os currículos tradicionais pretendem ser neutros,
despolitizados, apoiando-se na razão científica, a teorização crítica e s-
crítica argumentam que não há teoria neutra, natural e puramente científica.
Todas estão, inevita-velmente, implicadas em relações de poder.
A pedagogia pós-crítica busca realizar um debate ampliado da análise do
poder. Não se limita ao campo das relações econômicas do capitalismo,
embora o considere. Suas discussões e análises são centradas nas
questões da religiosidade, classe social, etnia, idade, gênero, sexualidade,
corpo e tantos outros marcadores sociais. Nessa concepção curricular,
poder e conhecimento não se opõem, mas são mutuamente dependentes.
O poder está espalhado pelas diversas relações existentes na sociedade.
A teorização pós-crítica1 abarca a teoria queer, os Estudos Culturais, os
estudos feministas, o pós-modernismo, o pós-estruturalismo, a filosofia da
diferença, o pós-colonialismo e o multiculturalismo crítico (Silva, 2011).
Entretanto, contrariamente à pedagogia crítica, a pós-crítica não acredita na
possibilidade do sujeito libertar-se da alienação causada pelo capitalismo.
Não há espaço para o pensamento de consciência correta e autônoma,
como também, questionam o processo de conscientização e emancipação.
A pedagogia pós-crítica se preocupa com a formação dos sujeitos que atuarão
na sociedade. Por isso se preocupam com o currículo, em função do seu
envolvimento com os processos de formação pelos quais nós nos tornamos o
que somos. Assim, abrem lugar para a subjetividade. Em outras palavras, o
sujeito é formado de acordo com as verdades que insistem em fixar uma
identidade, subjetivando-o, levando-o a assumir uma posição de sujeito (Hall,
2013). Uma forma de fazê-lo é, justamente, por meio do currículo.
Portanto, a pedagogia pós-crítica se torna uma escrita constante, onde
todos os sujeitos da escola o escrevem e reescrevem. Não possui maneiras
corretas e únicas de ensinar e avaliar, como também, não há técnicas
definidas para planejar as atividades ou a definição prévia dos conteúdos a
serem ensinados. Ao contrário, espaço para a problematização e
discussão dos conheci-mentos, das avaliações e dos planos de trabalho.
Especialmente preocupada com as questões pedagógicas em ambientes
1 Devido às restrições de espaço, neste artigo enfatizou-se a discussão multicultural.
Educación y Humanismo 20(34): pp. 105-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860 105
Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica e pós-crítica no currículo
multiculturais, Candau (2008) ensina que não educação que não esteja
imersa na cultura do contexto no qual se situa, o que torna impossível
conceber uma experiência pedagógica desvinculada da temática cultural.
Consequentemente, no atual contexto pós-moderno, as questões culturais
não podem ser ignoradas pelos educadores sob o risco de que a escola,
cada vez mais, se distancie dos universos simbólicos e das inquietudes das
crianças e jovens.
Para a pesquisadora, o multiculturalismo pode assumir duas abordagens:
descritiva ou propositiva. A descritiva compreende o multiculturalismo como uma
característica das sociedades atuais e depende de cada contexto histórico,
político e sociocultural. Nessa concepção, se enfatiza a descrição e a configu-
ração multicultural de cada contexto específico. A propositiva compreende o
multiculturalismo como uma maneira de atuar, de intervir e de transformar a
dinâmica social e cultural. Trata-se de um projeto político cultural, de um modo
de se trabalhar as relações culturais, de conceber políticas públicas a favor da
diferença cultural e de construir estratégias pedagógicas nessa perspectiva.
Na concepção propositiva, são oferecidas diferentes gradações de multicul-
turalismo, indo desde aquele que aborda as diferenças de maneira
folclórica, por exemplo, restringindo-se à comemoração de datas
específicas (Dia da Consciência Negra, Dia do Índio, Dia da Mulher), até a
visão crítica, que problematiza a produção das diferenças culturais. A
presente pesquisa busca fundamentar-se nesta última vertente, conhecida
como multiculturalismo crítico.
Apesar da quantidade de trabalhos e análises que apregoam o desenvolvi-
mento de pedagogias multiculturalmente orientadas, o que se percebe no
cotidiano escolar é o confronto entre, de um lado, práticas com viés tecni-
cista, pautadas na cultura dominante e que colocam em ação políticas neoli-
berais de organização social. Evidentemente, tais iniciativas formam certos
tipos de sujeitos. Por outro lado, experiências didáticas fundamentadas
em princípios e políticas multiculturais, que valorizam e reconhecem as
diferenças culturais e prestigiam procedimentos democráticos.
Candau (2008) confirma essa ideia ao comentar que por mais que esse caráter
universal de educação venha sendo denunciado em algumas pesquisas, o
discurso homogeneizador e monocultural da escola é cada vez mais forte. Ao
mesmo tempo, estão cada vez mais presentes as tentativas de romper com o
modelo educacional tecnicista e construir práticas educativas que levem
106 Educación y Humanismo 20(34): pp. 106-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860
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em consideração a questão do multiculturalismo. Ou seja, a batalha continua.
Em 2002, essa pesquisadora já afirmara que o debate multicultural iria
avançar nos anos seguintes com vistas à afirmação da democracia e à luta
contra todas as formas de desigualdade, preconceito e discriminação
(Candau, 2002). A produção acadêmica nos últimos anos comprovou que a
pesquisadora estava certa. As investigações realizadas têm identificado
uma progressiva sensibilidade para este tema na escola, mas traduzi-la e
aplicá-la nas práticas cotidianas e educacionais continua sendo um grande
desafio, pois a ordem hegemônica e monocultural, agora travestidas em
uma concepção pedagógica neoliberal, ainda assolam o espaço escolar.
Moreira (2001) e Rodrigues e Abramowicz (2013) mapearam a produção
científica sobre o ensino multicultural. O primeiro investigou os trabalhos
sobre currículo e multiculturalismo produzidos por autores brasileiros, desta-
cando os temas dominantes, abordagens metodológicas e referências
biblio-gráficas e as segundas analisaram a maneira pela qual os conceitos
de diver-sidade e diferença têm sido utilizados no debate educacional
contemporâneo brasileiro.
Também existem pesquisas que analisaram as questões multiculturais a
partir da prática pedagógica, do “chão da escola”. Canen e Oliveira (2002)
analisaram uma prática pedagógica multiculturalmente orientada, no compo-
nente curricular ciências, que problematizou os preconceitos, desigualdades
e a construção das diferenças culturais. Dentre os resultados, destaca-se a
adoção da hibridização discursiva como dispositivo pedagógico relevante.
Candau (2002) apresentou uma visão da relação multiculturalismo e
educação com base em projetos desenvolvidos. Moreira e Candau (2003),
com base em projetos multiculturais desenvolvidos e na literatura da área,
apresentaram princípios, exemplos e sugestões que possam ser úteis aos
docentes que queiram tornar a cultura como elemento central nos seus
planos e práticas. Por fim, Candau (2011) examinou as concepções de
diferença cultural e como foram discutidas na prática, tendo como base de
apoio quatro trabalhos que afirmam ser multiculturais.
Percebe-se a vontade de muitos educadores, comprometidos com uma
educação multicultural, de colocarem em circulação esse assunto tão caro
à sociedade pós-moderna. Diante disso, a escola não pode mais contribuir
para a manutenção das desigualdades e preconceitos. Ela sozinha não vai
acabar com isso, mas pode tentar atenuar os efeitos desse processo. Para
Educación y Humanismo 20(34): pp. 107-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860 107
Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica e pós-crítica no currículo
não perpetuar o fracasso escolar dos estudantes que não compartilham dos
referenciais culturais hegemônicos, deve trabalhar com as diferenças em
seu contexto real, o que a obriga a reconhecer, valorizar e empoderar os
grupos desprivilegiados (Candau, 2011).
Ao reconhecer o universo multicultural dos estudantes, o desafio da escola no
cenário pós-moderno é preparar o aluno para lutar e se defender das desigual-
dades produzidas pela sociedade e impostas aos sujeitos como situações
inevitáveis. Ela deve evitar oferecer situações fantasiosas. Rego (2011)
recomenda que o incentivo às características neoliberais como o espírito de
competição, sentimento de esforço e sucesso individual apregoados pela escola
moderna, ceda lugar ao compromisso com o bem comum e a adesão a causas
que contribuam para a melhoria das condições de vida coletiva.
A escola, nessa configuração, exige que os professores analisem o caráter
universal de transmissão de saberes por meio da “mediação crítica da utili-
zação do conhecimento” (Pérez Gómez, 2000, p.22). A escola pode e deve usar
o conhecimento para compreender e questionar as intenções do processo
educativo, dos efeitos nos sujeitos e dos mecanismos de controle. Ela precisa
vivenciar práticas culturais que induzam à solidariedade, à colaboração, à crítica
e à criação. Apenas vivendo situações democráticas na escola é que se pode
aprender a viver democraticamente na sociedade mais ampla.
Como se pode observar, apesar das dificuldades, a educação multicultural é
uma realidade. Se pretendermos a construção de uma sociedade mais justa
e democrática, onde as diferentes culturas possam ser representadas
digna-mente, ela torna-se uma ótima ferramenta. Não é por acaso que seus
pressu-postos têm influenciado vários componentes curriculares. Nos
últimos anos, análises de experiências pedagógicas fundamentadas nas
teorias pós-crí-ticas têm contribuído para o estabelecimento de princípios e
orientações didáticas que caracterizam uma ação didática
multiculturalmente orientada, também denominada de pedagogia cultural.
AÇÕES DIDÁTICAS
Visando coletar informações sobre o patrimônio cultural da comunidade, os
educadores podem realizar uma pesquisa de campo na qual serão obser-vadas
as práticas sociais existentes no entorno da escola e que, de maneira eventual
ou constante, são acessadas. Outra forma também utilizada para coletar essas
informações pode ser o diálogo com a comunidade nas diversas reuniões
realizadas na escola, uma conversa com alguns colegas de
108 Educación y Humanismo 20(34): pp. 108-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860
Marcos Garcia Neira
trabalho que residem no bairro ou diretamente com os alunos sobre os
temas específicos que serão abordados naquele período letivo. Esse
procedimento permitirá configurar um rol de saberes sobre o que os alunos
já conhecem quando chegam à escola.
Além dessas informações, questões relativas ao espaço escolar disponível, isto
é, as variáveis próprias do meio e sua forma de organização e adminis-tração
também são relevantes na condução do método, para que se possam
dimensionar as possibilidades práticas de implementação do currículo. Assim,
se a escola apresenta as condições necessárias, é possível realizar atividades
na sala de informática, na sala de vídeo, na biblioteca, realizar exposições ou
apresentações, fazer pequenos passeios até uma praça ou parque, teatros,
cinemas, exposições, ambientes de trabalho, comércio, sedes de partidos
políticos, igrejas, associação de bairro, terreno, empresas, etc. que ampliarão
enormemente o leque de conhecimentos sobre a cultura. Nesta caracteri-zação
aborda-se a possibilidade de: deslocar os alunos em horário de aula para
realizar uma pesquisa ou atividade com o quadro de funcionários ou com outras
turmas; solicitar um grupo de alunos (ou individualmente) de outra turma para
elucidar um tema, entre outras. Deve-se estar atento aos procedi-mentos
organizacionais da escola, como o prazo para a reprodução e entrega de textos,
ou questionar certos procedimentos habituais relativos às reuniões e aos
passeios em horários de aula.
Diante do mapeamento realizado, os professores da escola terão condições de
organizar o currículo por temáticas: o que será estudado na Educação Infantil,
no Ciclo Inicial do Ensino Fundamental, no Ciclo Final do Ensino Fundamental,
no Ensino Médio, na Educação de Jovens e Adultos etc. A partir daí, são
pesquisados os conhecimentos do grupo de alunos a respeito da temática
selecionada, por meio do diálogo. A cada resposta, uma vivência poderá ser
proposta aos alunos tomando como base a contribuição específica do colega. O
foco em cada temática dar-se-á com o devido cuidado
à distribuição equilibrada ao longo do ano letivo conforme a característica do
assunto. Essa preocupação é importante, pois um determinado tema poderá ser
menos trabalhoso que outro, recebendo menor atenção e cuidado.
Com os dados coletados, a elaboração do currículo poderá articular esse
mapeamento geral com a problematização de um tema específico, visando a
estruturação das atividades de ensino. Para atender aos objetivos de enrique-
cimento cultural, é necessário analisar determinados aspectos da temática que
será problematizada: O que é necessário para abordar esse assunto?
Educación y Humanismo 20(34): pp. 109-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860 109
Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica e pós-crítica no currículo
É possível extrair “elementos educativos” e articulá-los com o Projeto
Pedagógico? Quais modificações devem ser implementadas, a fim de
ressig-nificar os conhecimentos que vierem a ser debatidos? De que forma?
Onde podemos acessar os conhecimentos necessários e existe alguma
maneira de vivenciá-los?
Somente a partir d serão propostas atividades de ensino, sempre
permeadas pelo diálogo, interação coletiva, reorganização, discussão de
outras possi-bilidades e interpretação de cada uma das ações, ou seja,
analisando as diversas formas de apresentação dos conhecimentos e
explorando tal diver-sidade com base no repertório linguístico coletivo.
As ões educativas, por sua vez, poderão focalizar alternadamente diferentes
conhecimentos teóricos sobre uma mesma temática, explorando, na medida do
possível, os saberes práticos dos alunos e as reflexões sobre sua parti-cipação
e envolvimento, e considerando as diversas formas de interação no grupo e a
relação dessas questões com esferas sociais mais amplas.
Manifestações dos alunos ou discursos acessados socialmente devem ser
problematizados no desenvolvimento das intervenções. Tal procedimento
enriquecerá o trabalho pedagógico. Nota-se, pela variação de
possibilidades, que as ações didáticas denotam uma certa imprevisibilidade
temporal, isto é, não como estabelecer previamente a sua duração (um
bimestre, um trimestre, etc.). O período de duração da tematização de um
fenômeno se relaciona com os encaminhamentos e problematizações que
se tornarem necessários durante as aulas.
É importante que o professor permaneça atento à necessária articulação da
proposta com as intenções explícitas no Projeto Pedagógico da escola. Isto
se através da adoção dos mesmos objetivos de ensino auferidos por
meio da análise do documento e das discussões com os professores
responsáveis pelas demais áreas do currículo. Nesse aspecto, diante das
necessidades de ampliação e aprofundamento dos temas, serão muito bem-
vindos os trabalhos e projetos coletivos.
No decorrer das atividades, quando couber, o professor poderá instar os
alunos a socializar seus pontos de vista sobre o assunto em pauta. Essa
situação, difícil num primeiro momento, contribuirá para a adoção de uma
postura reflexiva. Com o passar do tempo, o questionamento do professor
quase não será necessário. Em experiências com o método (Neira & Nunes,
2009), percebemos que os aspectos atitudinais são mais bem trabalhados
110 Educación y Humanismo 20(34): pp. 110-115. Enero-Junio, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.17081/eduhum.20.34.2860
Marcos Garcia Neira
quando não é o professor quem aponta diretamente o problema. Isto não quer
dizer afastamento, mas sim mediação em busca da construção da autonomia
para a participação coletiva. Ou seja, ao apresentar seu olhar sobre uma
temática, o aluno não apenas estará sujeito aos questionamentos, mas também
responsável por mediar e organizar o debate. Constatamos aqui que o
“rompimento da inérciadesencadeado pelo professor, e a frequência com que
esta situação se apresenta, facilita o ato pedagógico no decorrer das aulas.
Quando conversar sobre a experiência, prontamente surgirão ideias de
reformulação e reorganização denominamos esta etapa de ressignificação.
Tão logo se chegue a um ponto de equilíbrio, em que haja algum consenso
sobre um assunto polêmico, teremos conquistado avanços significativos na
formação de pessoas para a vida pública.
As decisões, descobertas, análises etc., poderão ser registradas em cadernos,
cartazes, fotografias ou quadro, constituindo-se em importantes recursos para
identificar as modificações nos alunos e nos conhecimentos. Quando houver
mais de um encaminhamento possível, todos poderão ser discutidos numa
ordem estabelecida após eleição. A explicação final sobre o assunto, se houver,
caso não agrade a alguém, poderá ser registrada com o formato que o aluno
julgue mais adequado, justificando-se perante o grupo por qual razão não
gostou do elemento final eleito pelos colegas. Nesse sentido, cria-se um espaço
democrático para os alunos exporem suas opiniões em contrário. Abre-se
espaço para o respeito à diversidade de ideias.
Claro está que para estudar cada uma das temáticas culturais desco-bertas
durante o mapeamento será necessário obter maiores informações sobre
elas (Corazza, 1997). O professor poderá utilizar diversas fontes para
pesquisa própria (Internet, revistas, livros, relatos pessoais por meio de
entre-vistas, etc.), visando orientar as investigações dos alunos, apontando
alguns caminhos possíveis pelas referências presentes na biblioteca, sala
de leitura, revista e sites especializados, programas televisivos, etc. Por sua
vez, os alunos poderão receber, antecipadamente, algumas perguntas que
orientem a pesquisa e o estudo. A esta etapa, denominamos ampliação.
Contrariamente ao que se afirma, este método não se encerra na perma-
nência e ênfase daquilo que eles sabem (Freire, 1970). Um encaminha-
mento possível tratará de problematizar aquelas práticas sociais que uma
pesquisa ampliada sobre o tema poderá identificar. Os alunos poderão ser
estimulados a descobrir novas informações, sendo mais uma vez questio-
nados a respeito do que constataram. Sempre haverá algo a saber e socia-
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Retomando o debate em torno das influências das teorias crítica e pós-crítica no currículo
lizar; qualquer conhecimento poderá ser compartilhado com os colegas e
experimentado. Um conhecimento “parcial” ou “pela metade” traz
dificuldades para uma compreensão profunda e ofusca a visibilidade das
interrelações possíveis.
Atividades de pesquisa, entrevista e demais formatos para coleta de dados com
os membros da comunidade são muito importantes quando se pretende o
desenvolvimento de um currículo inspirado na pedagogia crítica, devido ao seu
potencial de valorização das vozes daqueles que compartilham o cotidiano com
os alunos. A participação de membros da comunidade na ação pedagógica
confere aos alunos uma nova visão de grupo, pois os saberes característicos do
grupo ao qual pertencem foram incluídos no currículo com o mesmo grau de
importância que os saberes escolares. Como se verifica, a prática pedagógica
adotada não se vincula a um conhecimento prévio do professor. É justamente o
inverso, a dinâmica permite a ampliação dos conhecimentos do professor e dos
alunos. Como encaminhamento paralelo do método, alguns alunos podem
assumir a responsabilidade de preparar-se bem junto aos adultos que
entrevistarão ou pesquisas que farão, para trazer novos conhecimentos a
respeito da temática.
É muito importante que os alunos tenham acesso a produtos culturais
especí-ficos sobre os temas estudados. Eles precisam saber que o universo
de conhe-cimentos excede em muito as experiências imediatas e diretas do
bairro e da região, transcendem no tempo e encontram-se publicadas e
socializadas nos veículos de informação e comunicação. Assim, a etapa da
ampliação poderá promover atividades com outros recursos como televisão,
livros, jornais e internet. Os alunos ficarão entusiasmados pelas
descobertas que o acesso a tais fontes lhes proporcionará.
Finalizando o processo, recomenda-se, com base nos registros ao longo do
curso, a elaboração de um produto final que poderá ser uma apresentação,
uma exposição, um livro, etc., desde que construídos pelos alunos e com a
participação deles em todas as decisões. Recordamos ao professor que as
preferências da comunidade podem ser, também, objetos de discussão.
Isso não significa, de modo algum, censura ou coibição. Se a temática
utilizada faz apologia a atividades não recomendadas pela escola, ou
apresentam caráter distorcido de outras realidades, esse elemento poderá
ser o gerador de um debate chegando até a revisão dos valores da cultura
escolar ou da cultura dos alunos. Não há, neste método, uma questão
fechada sobre qualquer assunto.
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Marcos Garcia Neira
No tocante ao processo avaliação, entre outras, merece toda a conside-
ração a noção de avaliação formativa proposta por Hadji (2001). O
professor francês distribui o processo avaliativo em três etapas que
acompanham todo o currículo.
Sugere, inicialmente, que se desenvolva uma avaliação diagnóstica sobre os
saberes relacionados à temática que será problematizada naquele período
letivo. Convém manter um diário de campo atualizado ou um portfólio, onde
constem fragmentos de conversas em sala, registros escritos dos alunos e do
professor, o levantamento coletivo dos saberes sobre o assunto, etc.
Durante o processo educativo, Hadji propõe o que se denomina de avaliação
reguladora, que fará uso de instrumental semelhante à avaliação diagnóstica,
mas, desta vez, realizada no decorrer das intervenções pedagógicas e procu-
rando identificar insuficiências das atividades propostas com a intenção de
promover modificações no encaminhamento ou no próprio teor das atividades
sempre que necessário for, para intensificar as oportunidades de aprendi-zagem
e as situações didáticas que virão a seguir.
Próximo ao fim de uma tematização, o autor propõe uma avaliação final,
que pretende descobrir em que medida os procedimentos didáticos
realizados naquele período letivo contribuíram para ampliar o repertório dos
conhe-cimentos dos alunos sobre o fenômeno problematizado. A avaliação
final pode ser constituída pela análise do produto que os alunos elaboraram:
uma apresentação, um registro mais cuidadoso, uma coreografia, uma
exposição, um relatório, um portfólio, uma pesquisa, etc.
Como se pode notar, nesta concepção de avaliação, o professor recolhe
elementos para refletir sobre sua prática pedagógica. Convém destacar que,
para que esse processo se a contento, o educador deverá adquirir o hábito
de manter registros constantes das suas observações durante as aulas. Esse
“diário de campodo professor, que se tornará mais rico com o arquivamento
das produções dos alunos ou imagens das aulas, é o instrumento funda-mental
para identificar os resultados de sua ação educativa.
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